Zilda Arns foi um exemplo para a Humanidade

Uma das vítimas do terremoto no Haiti foi a médica Zilda Arns. Ela é fundadora da Pastoral da Criança e levou esse trabalho para quatro mil cidades brasileiras e 20 países. Fazia uma palestra para 150 pessoas quando foi atingida pelos escombros. A notícia de sua morte chocou o País..
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Contar a história de Zilda Arns dá esperança de que os dramas da pobreza podem ser vencidos e vidas de crianças podem ser salvas. De que é possível enfrentar problemas que parecem sem solução, e usando armas simples: solidariedade, soro caseiro e informação.
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Milhares de vidas salvas, milhões de pessoas diretamente beneficiadas e o País inteiro tocado por um exemplo de integridade, dedicação e eficácia na luta pela promoção social dos mais desassistidos. Assim podemos resumir o legado de Zilda Arns, que também deve ser reconhecida como a pessoa que mais contribuiu para a redução da mortalidade e da desnutrição infantil na história do Brasil - com um trabalho tão bem planejado e realizado que foi exportado para vários outros países.
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Nestes tempos de marketing pessoal e culto à celebridade, a grandiosidade dessas realizações contrasta com a serena discrição com que a Doutora Zilda sempre se apresentou, trabalhou e viveu. Mas se o segredo daquela pediatra e sanitarista, fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança, não se encontra nos manuais contemporâneos de sucesso, onde estaria?
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Zilda Arns tinha uma capacidade incomum para enxergar e acolher, simultaneamente, o próximo e o todo, o indivíduo e o coletivo, e demonstrava isso tanto no plano afetivo quanto na visão estratégica. Ela sabia que a transformação social ampla e profunda que almejava só viria com a mobilização permanente das próprias populações pobres e vigoroso envolvimento da sociedade civil. Mas também via com clareza o papel fundamental que cabe ao Estado no esforço necessário de efetivação dos direitos humanos e constitucionais para a parcela da população brasileira que ainda não goza de autêntica cidadania. Tanto que a Pastoral da Criança sempre contou com parcerias e financiamento estatais e influenciou políticas públicas, inspirando a descentralização do atendimento à saúde e programas com o Médico de Família.
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Com uma visão abrangente das necessidades das crianças, Dra. Zilda não se limitou ao combate das causas mais diretas da mortalidade infantil por meio do ações como incentivo ao aleitamento materno, educação nutricional, controle da diarreia, medidas de higiene e vacinação. Seu trabalho incluía a promoção de lideranças locais, alfabetização de adultos e educação básica para crianças e adolescentes, combate à violência doméstica e geração de renda. Uma abordagem holística e de vanguarda, adotada pela Pastoral da Criança antes mesmo da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, que segue moldes semelhantes.
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Uma das inovações salvadoras de vidas lançadas pela dra. Zilda foi a multimistura, uma farinha rica em nutrientes capaz de evitar e reverter a desnutrição infantil. Uma receita tão valiosa quanto aquela, mas composta de visão, dedicação, conhecimento, liderança, integridade e amor, é oferecida aos brasileiros pelo exemplo de vida dado por ela com sua corajosa humildade de missionária - qualidade que, como demonstra a história recente do País, viceja na família Arns.
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Zilda Arns estava levando seu trabalho missionário ao país mais pobre do Ocidente quando foi vitimada em meio a uma catástrofe humanitária. Foi uma perda trágica, mas não poderia haver epílogo mais coerente para sua trajetória de solidariedade e compromisso com os mais necessitados.
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O trabalho lhe trouxe inúmeras premiações nacionais, 19 prêmios internacionais e uma indicação ao Nobel da Paz.
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Era para aos pobres que Zilda Arns mais se dedicava, onde quer que eles estivessem, ela sempre dizia: “A Pastoral da Criança constrói a paz através do trabalho comunitário, começando pela criança, família. Eu creio que o caminho para o mundo é esse“, declarou em certa ocasião.
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Que os líderes, atuais e futuros, saibam se inspirar neste exemplo de humildade. Dra. Zilda sabia que ser humilde não é pensar pequeno nem almejar pouco, mas assumir verdadeiramente o papel de veículo das grandes causas. No caso dela, a luta pela disseminação de um amor com força transformadora, capaz de acolher, nutrir e libertar crianças e adolescentes das mazelas da miséria, das limitações da ignorância e da doença. Por representar plenamente essa bela causa, Zilda Arns acabou encarnando sua grandiosidade. Como tão vivamente demonstravam os rostos exultantes das voluntárias, mães e crianças que a aplaudiam na sede do legislativo paulista, há quase seis anos. E os milhões de sorrisos vivos e saudáveis que ela semeou e nutriu Brasil adentro, e mundo afora.
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O segredo e o legado de Zilda Arns
Por Rubens Naves
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